Palestra proporciona viagem ao tempo das raízes do povo de São Sebastião





Fotos: Rosangela Falato | PMSS

Legenda: Plateia revive momentos da infância e relembra a história de São Sebastião durante encontro na Videoteca Municipal



Palestra proporciona viagem ao tempo das raízes do povo de São Sebastião

Público se emociona ao recordar histórias, lendas e costumes durante apresentação do poeta Geraldo de Buta



A noite estava calma. Embarcamos na canoa de voga pelos mares da história de São Sebastião transportando sonhos, histórias, “causos”, alegrias e muita saudade. A tripulação era especial, a maioria formada por caiçaras, e alguns visitantes. No remo, estava o poeta Geraldo de Buta, na direção dos ventos usando o traquete e a mezena para navegar ao início do século XX pelas águas da memória de São Sebastião.

Quem consegue visualizar essas cena, pode imaginar o que foi essa viagem no tempo proporcionada pelo professor Geraldo de Buta em palestra realizada na noite de segunda-feira (24), na Videoteca Municipal, para um público especial formado, essencialmente, por famílias de caiçaras. Todos se emocionaram com a apresentação que também encerrou a programação em homenagem à Semana do Folclore realizada pela Secretaria de Cultura e Turismo (Sectur) da Prefeitura de São Sebastião.

“Aqui estou, na minha canoa, trazendo minhas alegrias, recordações, minha infância, navegando e tocando meu remo”, disse o poeta que, de forma apaixonada, falou sobre vários momentos da história, lendas, curiosidades de personagens da cultura e política da cidade, educação, cultura, costumes caiçara sempre intercalando essas lembranças e informações com poemas ligados aos temas. Nascido na Praia do Barro, conhecida hoje como Praia das Cigarras, professor Geraldo começou explicando o significado da palavra folclore lembrando que “é tudo o que faz parte da nossa lembrança, do nosso sentimento, o que está na memória do coração”.

O poeta citou expressões usadas antigamente como “dos salgados às vertentes” para explicar quem se dirigia do litoral às montanhas e falou da linguagem oral caiçara sempre correta e respeitosa. A economia da região era baseada nas plantações e pesca. “As pessoas procuravam no mar a sua subsistência”, disse Geraldo de Buta. Um costume caiçara era colocar o peixe no varal e vendê-lo seco. Para comercializar seus produtos, o caiçara ilhéu criou a canoa de voga idealizada e construída em Ilhabela. Ela tinha, fundamentalmente, duas velas, um traquete e mezena. Assim transportavam os produtos até Santos. Maria Helena Torres Santos lembrou que seu pai, nascido em 1899, foi um dos pescadores que utilizavam a canoa de voga, por volta de 1910. “Hoje tem só uma canoa de voga que está na Praia Grande, em Ilhabela”, comentou emocionada.

Lembranças

Nessa viagem pelo passado, o poeta falou da influência religiosa nos costumes que resultaram em festas tradicionais como a de São Sebastião, a de São Pedro Pescador, com a procissão marítima, e manifestações como a Congada. Nas festas e quermesses, os atuais bingos eram, na verdade, a víspora marcada com feijão ou milho e os prêmios eram galinhas e prendas simples. O poeta também passou pelo universo das superstições, lembrou as benzedeiras (que curavam doenças) e as promessas. “Era tudo muito mágico”, disse de Buta que também falou das lendas de São Sebastião, como a do Pontal da Cruz, envolvida em uma história de amor.

O antigo Grupo Escolar Henrique Botelho deixou saudade e contribuiu para a formação exemplar dos jovens que tiveram a oportunidade de passar pela escola. “No grupo escolar, a criança aprendia, se interessava. A falência da Educação começou com a quebra do Grupo Escolar. Na década de 20, tínhamos até uma escola agrícola”, lembrou o poeta que citou trecho de um de seus trabalhos para mostrar seus sentimentos naquele momento. “Deixa a emoção riscar minha pele”. O poeta encerrou frisando: “minha saudade infantil me gratifica. É um prazer recordar com vocês essas lembranças e histórias”.

Emoção

Maria Luiza Santana agradeceu ao poeta os momentos proporcionados. “Foi como se estivéssemos ouvindo histórias e causos no quintal de casa”. Luiz Leite Santana, o Zangado, quis registrar sua tristeza pelo sentimento de perda da cultura tradicional. “Sou caiçara de quatro gerações. Quando o caiçara perde a característica de povo é como perder a própria história. É dolorido sentir o desaparecimento desse povo. Daqui a 50 ou 80 anos, as escolas vão ensinar que aqui viveu um povo chamado caiçara que tinha costumes estranhos: comia peixe com banana verde”, disse.

Para o professor de etnografia de Portugal, Carlos Alves, em visita a parentes em São Sebastião, foi a oportunidade de assistir uma aula sobre a cultura caiçara. “Foi muito interessante e fiquei impressionado”, comentou. Ele estava acompanhado pela jovem Beatriz Ferreira, também de Lisboa, que em sua visita estava à procura da história e cultura de São Sebastião. “Sentia como se a cidade estivesse estagnada no tempo e queria entender. Encontrei a resposta. Aqui vi o que aconteceu, é como se a alma da gente viajasse e me senti como se estivesse lá, naquele tempo. Adorei”, completou Beatriz que ficou encantada com a palestra.

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