Contribuintes prometem ir à Justiça contra aumento do IPTU na cidade





Prefeito alega necessidade de arrecadação para investimentos
Helton Romano

O reajuste nos valores que servem de base para o cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) ainda não foi digerido por boa parte dos contribuintes, em São Sebastião. A aprovação dos novos valores ocorreu no final de setembro, mas somente com o início da distribuição dos carnês, há duas semanas, o contribuinte tomou conhecimento da real proporção do aumento.
Um imóvel de Boracéia, Costa Sul sebastianense, teve a cobrança reajustada em 80%. “Não tem uma única rua calçada em todo o bairro e a gente sofre com alagamentos”, fala o proprietário Silvio Braz, 40 anos. O caso dele, porém, é mínimo se comparado ao do pai. Segundo Braz, o tributo do terreno onde vive a família, em Barra do Una, passou de R$ 781 para R$ 2,8 mil. “Os poucos caiçaras, que conseguiram permanecer nas áreas nobres da cidade, estão sendo forçados a saírem”, considera Braz, que pretende se unir a outros contribuintes para apresentar uma ação coletiva à Justiça.
Em Maresias, o valor venal de um terreno saltou de R$ 55 mil para R$ 480 mil. “Não vale tudo isso. Se me oferecerem R$ 250 mil eu vendo na hora”, afirma o proprietário, que pediu para não ser identificado por temer retaliação.


Como consequência do reajuste no valor venal, o IPTU desse imóvel subiu de R$ 1,2 mil para R$ 9,6 mil. “Tomei um susto quando chegou o carnê. Nunca vi isso na minha vida”, comentou o contribuinte, que foi ao setor de cadastro fiscal da Prefeitura para verificar se havia algum engano. “Disseram que estava tudo certo, conforme a lei aprovada na Câmara. Estou consultando um advogado para decidir o que fazer”, revela.
Para outro imóvel no bairro da Juréia, a cobrança triplicou. A proprietária reclama do impedimento de construção. “Toda a Juréia está embargada em virtude do loteamento irregular. O processo está há anos na Justiça e nada acontece, prejudicando os demais proprietários que não são beneficiados com nenhuma obra pública ou benesse no terreno”, conta Larissa Bertani. “Apesar disso, ainda paga um alíquota de IPTU maior já que não pode edificar no terreno”, completa.
A aposentada Alzira Vilanova, 66 anos, de Boiçucanga, não esconde a decepção com vereadores. “A gente os elege para melhorar as coisas e acabam aumentando o imposto”, lamenta Alzira, que está com a documentação pronta para entregar a um advogado. “Não vou pagar. Temos que ir atrás dos nossos direitos”, defende.
A contadora Claudineia Rodrigues, 33 anos, da Topolândia, compartilha a indignação. “A cidade já tem receita alta. Queria saber para onde vai tanto dinheiro”, questiona Claudineia.
O médico David Lerer, ex-deputado federal, interpreta a situação como um “IPTU escandaloso”. Lerer traça um paralelo com o aumento do tributo na capital paulista. “A diferença é que, em São Paulo, eles anunciaram o crime: ‘olha aí, eu vou matar você’. Ao passo que, em São Sebastião, o prefeito pegou todo mundo de calça curta, sem anúncio, nem discussão. O tiro pelas costas veio no carnê”, escreveu o médico.

Mais ações
O Diretório Municipal do PMDB também prepara uma ação judicial para tentar anular a lei que reajustou os valores do IPTU. O ex-prefeito Juan Garcia, presidente da legenda na cidade, pretende aproveitar a decisão favorável à ação movida em São Paulo, onde a Justiça limitou o reajuste. “Temos, no poder, um governo que vem fazendo mal uso do dinheiro público e, agora, faz aumento astronômico do IPTU para repor caixa”, entende Juan.
Ele orienta que o contribuinte deposite, em conta bancária, os valores referentes ao pagamento. “Pega a parcelinha do IPTU e deposita no banco. Deixa guardadinha e espera o resultado da ação. Eu vou fazer assim”, afirma. Outra ação deve ser movida pelo advogado Daniel Galani. “Assim que o fórum retomar o funcionamento, entro com uma ação popular contra esse aumento descabido”, diz Galani. A ideia é que isso ocorra ainda antes do dia 10 de janeiro, data de vencimento da primeira parcela do imposto.


Prefeito Ernane Primazzi ressalta “coragem” e afirma que reajuste do imposto é um “remédio amargo”
Apesar da repercussão negativa que o reajuste causou, o prefeito Ernane Primazzi (PSC) sustenta que os valores que incidem sobre o IPTU estavam defasados. “Duvido que todo mundo que acha caro venda sua propriedade pelo preço que está no IPTU, bem abaixo do que vale”, desafiou Ernane, em entrevista recente ao Imprensa Livre.
O prefeito ainda afirma ter aliviado o bolso do contribuinte. “Por lei, eu poderia até subir mais”, avisa. Ele cita, como exemplo, um terreno na Avenida Guarda Mór Lobo Viana que já teria recebido uma proposta de compra de R$ 5 milhões. “O imposto poderia ser cobrado até R$ 50 mil, mas estou cobrando R$ 9 mil”, argumentou.
Ernane sabe do desgaste provocado pela medida, mas entende que se trata de um ato de “coragem”. “Administração não se faz só com anúncio de shows. O cara quer saúde, pavimentação, saneamento... e de onde sai o dinheiro? Não é só remédio de morango que cura. Há momentos que o remédio amargo tem que ser feito”, acrescentou.
Para ele, “o que mais reclama, normalmente, é o mal pagador”. “Pode haver alguma distorção porque ninguém é perfeito”, admite Ernane. “Se o cara achar que tem algum erro, apresenta na Prefeitura que a gente vai ver cada caso”, assegurou. Por fim, o prefeito destacou os percentuais de descontos, que também subiram, para pagamentos até a data de vencimento.


“Erro”
Na semana passada, o assunto voltou a ser comentado em sessão na Câmara. O vereador Gleivison Gaspar (PMDB), único a votar contra o reajuste, se colocou junto aos colegas. “Estamos levando bordoada da população por causa do IPTU”, disse. O vereador Jair Pires (PSDB) se mostrou arrependido pelo voto favorável. “Assumo meu erro”, reconheceu. Ele e Reinaldinho (PSDB) são autores de uma representação que questiona a legalidade da sessão que aprovou o aumento (leia quadro).
A representação foi protocolada no Ministério Público, dia 1º de outubro. O caso, inicialmente, foi recebido pelo promotor Paulo Guilherme que, um mês depois, deixou a cidade sem emitir nenhum parecer. Em seu lugar assumiu a promotora Natalie Riskalla Anchite que também ainda não se manifestou a respeito. (H.R.)


Saiba mais
A aprovação do projeto que reajustou a Planta Genérica de Valores ocorreu em duas votações na Câmara. A primeira foi realizada no dia 24 de setembro, quando apenas o vereador Gleivison Gaspar (PMDB) se posicionou contrário ao reajuste.
Sob a alegação de que o prazo para fixar os novos valores venceria dia 30 daquele mês, a Câmara acatou o pedido do prefeito e marcou uma sessão extraordinária para o dia 26. O projeto foi novamente aprovado, dessa vez por unanimidade, já que Gleivison, assim como Reinaldinho (PSDB) e Ercílio de Souza (SDD), não compareceu à sessão.
A representação protocolada no Ministério Público, que tenta anular a segunda votação, argumenta que as sessões extraordinárias somente podem ocorrer em período de recesso parlamentar – janeiro, julho e segunda quinzena de dezembro. O presidente Marcos Tenório (PSC) sustenta que o tramite do projeto foi legal.




Foto: Acácio Gomes/IL

Comentários