Cnaga teme desapropriação sugerida por Ernane







Área ocupada pela empresa foi apontada como alternativa ao traçado de nova rodovia
Helton Romano


Ocupando uma área de 30 mil metros quadrados, na entrada do bairro da Topolândia, a Companhia Nacional de Armazéns Gerais Alfandegados (Cnaga) está na mira de uma proposta de desapropriação, defendida pelo prefeito Ernane Primazzi (PSC). A ideia é evitar a remoção de cerca de 100 famílias que seriam afetadas pela construção de um novo acesso rodoviário a São Sebastião. “Propomos que a estrada passe pela Cnaga, pois vai gerar um impacto menor”, declarou Ernane, ao Imprensa Livre.


A sugestão, porém, não agrada a tradicional empresa, que opera no local há 46 anos. O gerente Adilson Moreira chama a atenção para o desemprego que a medida causaria. “Geramos 80 empregos diretos e outros 150 indiretos”, conta Moreira. De acordo com ele, a folha de pagamento chega a R$ 140 mil, além de R$ 16 mil em vales. “Todo esse dinheiro fica na cidade e movimenta a economia local”, valoriza.


Conforme explica, a Cnaga tem papel fundamental no escoamento do sulfato e barrilha que desembarcam no porto. Ambos os produtos são levados para o armazém da empresa, antes de serem vendidos para fábricas de vidros. A movimentação diária é de 25 a 30 carretas que transportam o material, principalmente, para o Vale do Paraíba. A área tem capacidade para armazenar 120 mil toneladas e é controlada pela ReceitaFederal.
Para Moreira, o fechamento da Cnaga traria prejuízos ao porto e ao município que deixaria de arrecadar impostos. “Não existe outro terreno adequado para que possamos continuar as atividades”, considera o gerente. Ele diz que soube da proposta do prefeito pela imprensa. “Não acredito que a Dersa mude o traçado. Mas, politicamente, tudo é possível”, opina.


“Ajustes”
A Dersa fez um balanço positivo das reuniões comunitárias promovidas nos bairros do Morro do Abrigo, Topolândia e Jaraguá. Estima-se que, no total, mais de mil pessoas tenham participado das discussões sobre o projeto do contorno sul. Para o gerente de relações institucionais da Dersa, Ermes da Silva, indicado a falar em nome do órgão, os encontros foram “oportunidades para esclarecer a população e ouvir seus reclamos”.


Ele, porém, desconversa quando indagado sobre as propostas de alteração no traçado.“Mudança não, mas sempre fazemos ajustes, na medida das necessidades”, diz Silva. A reportagem questionou o gerente sobre a possibilidade de deslocar a pista para a área das instalações do Cnaga. “Propostas mais radicais ainda estão em análise. Nesse caso, o impacto vai apenas mudar de local. Eu não diria que é possível fazer”, comentou Silva.
Em relação à sugestão de recuo da pista em 100 metros no Jaraguá, conforme solicitado em reunião no bairro, o representante da Dersa também aponta dificuldades. “Cem metros não é pouco quando se fala numa empreendimento de grande porte. Qualquer ajuste mais significativo demanda estudo que pode viabilizar ou não”, argumenta.


Silva, no entanto, admite ter conhecimento de que Ernane está negociando as alterações diretamente com a Casa Civil do Estado. “Estamos aguardando os desdobramentos. Por enquanto, o traçado que apresentamos é o que está valendo”, enfatiza.
O prefeito, aliás, ameaçou não emitir as autorizações municipais para o empreendimento caso as reivindicações não fossem atendidas. “O licenciamento é de competência da Cetesb. Mas acredito que o prefeito e as autoridades do Estado vão terminar chegando a um consenso”, minimiza Silva.
Apesar do impasse, a Dersa mantém o cronograma para início da obra em agosto. Silva garante que os “ajustes” podem ser feitos durante a execução dos trabalhos.


Moradores prometem resistir
Um grupo de moradores da Topolândia está disposto a realizar manifestações, caso seja mantido o atual traçado da rodovia. “Não somos contra a estrada, mas não precisa passar por aqui”, diz o marinheiro Bruno Cesar de Souza, 31 anos, um dos líderes do “Movimento Topolândia Sem Rodovia”. Segundo ele, o movimento surgiu em decorrência da falta de informações sobre a obra. “Queremos ser ouvidos pelas autoridades”, justifica.
Ele lembra que, além das 104 famílias que teriam que deixar suas casas, a construção afeta escola e igrejas. “Vai trazer grandes prejuízos para o bairro”,opina. “Estamos recebendo cada vez mais adesões de moradores que apoiam o movimento”, acrescenta Souza.


Ao seu lado, o cartorário Alberto Boaventura, 58 anos, espera que a proposta de alteração no traçado seja acatada pela Dersa. “Caso contrário, vamos recorrer ao Ministério Público e formar um grupo maior para realizar manifestações pacíficas”, avisa Boaventura. Ambos os moradores cobram posicionamento dos políticos locais. “Tem vereadores em cima do muro e candidatos da última eleição que ainda não se posicionaram”, comentam. Na tarde de ontem, a reportagem flagrou o serviço de sondagem do solo que acontecia em um terreno localizado entre as ruas José Pacini e Santiago. De acordo com o mapa apresentado pela Dersa, um viaduto está previsto nesta área. O serviço é essencial para a escolha do tipo de fundação a ser utilizada na obra.


Os trabalhos eram vistos com preocupação por uma moradora vizinha. “Não vamos ter sossego com essa rodovia”, reclamou a garçonete Rosa Ferreira, 42 anos. Sob ameaça de desapropriação, Rosa não aceita deixar o bairro. “Se tiverem que me dar outra casa, gostaria que fosse na Topolândia”, afirma. (H.R.)


Fotos: Helton Romano/IL

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